quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Casa das Emoções

Num dia desses, visitei o Asilo "Lar de Velhos e Cegos Emmanuel" e fiquei impressionada.
Na verdade, não gosto da palavra asilo. Prefiro chamar de casa dos vôzinhos e vózinhas.
Um lugar bonito, um jardim florido, muitas histórias pra contar.
Vários chalés que abrigavam meus avós artificiais, com cadeiras de balanço e flores também artificiais.
A primeira vózinha que conversei era impressionante. Sabia de cor e salteado todos os poemas de Carlos Drummond de Andrade, mas já havia esquecido por opção, o nome de seus filhos.
Disse ela que preferia assim, pois não lembrava do quanto já chorou.
A segunda vózinha estava balançando em sua antiga cadeira e tricotando algo sem destino.Fiz suas unhas, arrumei seu cabelo, quando ela se olhou no espelho, parecia não se conhecer. Tocou a mão no espelho tentando se encontrar. E me agradeceu com um abraço frágil, pela avançada idade.
Quando cheguei ao salão de festas onde eram realizados os aniversários do mês, muitos vôzinhos assistiam TV e quando me viram, me recepcionaram com sorrisos e no rosto uma dúvida estampada. Abracei cada um deles e me emocionei ao ver com meus próprios olhos a coragem ou a covardia que eu nunca teria, de abandonar ali, uma parte da minha história.
Levei e entreguei a cada um, pra que sempre se lembrassem do amor gratuito que tinha por eles.
Todos me agradeceram com um gesto diferente.
O último que conversei era cego, havia nascido assim e a única forma de ver era me tocando.
Sentei à sua frente e uma de suas mãos tocaram meu rosto, seus dedos suaves procuravam por respostas. Ele esboçou um sorriso e nada disse. Apenas agradeceu. O prazer era todo meu.
Levantei e fui até o quarto de um vôzinho que à pouco perdera a companheira. Eu nada disse, nada seria capaz de consolá-lo.
Ele pegou em minhas mãos e ficou me olhando, me desejando uma felicidade que eu nunca havia sentido e que ele parecia saber que não.
Depois de voltar pra casa, vi em todos olhares daquela casa uma diferença muito grande com o meu olhar. Até hoje eles eram apaixonados pela vida. Carregavam nos olhos os amores, os erros, as renúncias, mas não arrependimento.
A vontade de viver me contagiou, as histórias me emocionaram, as lágrimas me comoveram.
Me apaixonei. Um pedaço do meu coração deixei com eles, um pedacinho de cada um deles trouxe comigo.

Um comentário:

Unknown disse...

queria lhe fazer uma pergunta!
em cada olhar que vc presenciou lá neste lugar que me parece um jardim dos Deuses, em algum desses olhares vc não conseguiu enxergar a presença de Deus?